domingo, 3 de novembro de 2013

Construção da Cidadania

O conceito de cidadania é o resultado de um longo processo histórico e social, em constante modificação. A Democracia, como a Cidadania não é algo que uma vez implantada se mantenha eternamente.
Em Portugal, por exemplo, o regime democrático foi implantado em 1820. Até 1926 foi interrompido por vários períodos ditatoriais, terminado na mais longa ditadura da história portuguesa (1926-1974). Este fenómeno ocorreu na generalidade das democracias ocidentais (França, Alemanha, Itália, Espanha, Austria, etc), o que mostra a necessidade dos cidadãos defenderem este bem precioso.
Afirmação do conceito de cidadania.  
Entre os séculos XVII e XIX, as diversas revoluções sociais aboliram as diversas ordens sociais que haviam determinado durante século o estatuto social dos individuos.
As ordens sociais deram lugar ao conceito de um cidadão universal, livre e igual perante a lei. Este conceito de cidadania é único e não admite excepções. Os diversos grupos sociais, culturais ou étnicos que não puderam ser desarticulados e integrados nesta concepção universalista foram ignorados, marginalizados ou mesmo aniquilados. 
Este processo acabou por ser estar associada à inúmeras barbaridades cometidas por vários Estados contra grupos éticos ou religiosos que supostamente não se deixavam integrar ou diluir na sociedade.
Afirmação de grupos específicos de cidadãos.
Na segunda metade do século XX começou a surgir um movimento inverso. A forma de aprofundar o conceito de cidadania passou a ser associada à afirmação da especificidade de vários grupos de cidadãos, no quadro mais geral dos direitos de cidadania. 
As mulheres, mas também várias minorias (imigrantes, deficientes, ciganos, homossexuais, etc) reclamaram um conjunto de direitos e tratamentos específicos.
Sem prescindiram do direitos comuns a todos os cidadãos, exigem outros direitos que visam corrigir injustiças sociais, acabar com discriminações ou imporem o respeito por certas diferenças étnicas, culturais, linguísticas, religiosas e outras. 
O objectivo comum é libertarem os individuos dos constrangimentos sociais e do aparelho de Estado, reduzindo este à sua expressão mínima. Este movimento tem sido acompanhado pela des-regulamentação social e económico, e a afirmação do individualismo e egocentrismo.

Exigências da Cidadania
Ser um cidadão é assumir-se como pertencente a uma dada comunidade e contribuir, dentro das suas possibilidades, para a melhoria das condições de vida colectivas.

  Não existe Democracia, numa sociedade onde os cidadãos estejam afastadas da Coisa Pública. Um dos problemas centrais das nossas sociedades é por isso saber como se pode organizar a sociedade de modo a potenciar a participação dos cidadãos. 
A solidez dos regimes democráticos assenta neste envolvimento e participação dos cidadãos na resolução dos problemas em comum. Existem várias teorias sobre o modo como se pode estimular esta participação:
1. Teoria dos Direitos Sociais. Atribuir direitos a quem não os tem, estimula a participação cívica.
2. Teoria Conservadora. Os cidadãos devem ser responsabilizados, devem ser chamados a assumir os seus deveres, com tudo o que isso implica. 
3.Teoria da Sociedade Civil. A família, como as várias organizações sociais (igreja, clubes, etc), podem e devem desempenhar um papel activo na formação do cidadãos, nomeadamente na aquisição de hábitos de participação cívica.
4. Teoria Liberal das Virtudes. A escola, nas nossas sociedades, é o espaço por excelência da aprendizagem da cidadania.

Princípios Republicanos
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É apanágio dos regimes republicanos, como é o caso do português, a defesa de um conjunto de princípios políticos que estiveram n base da própria República e são assumidos como inerentes a uma prática política republicana. O seu número tem variado bastante ao longo dos séculos, mas entre eles podemos destacar cinco pela sua importância central no ideário republicano:
1. Interesse Colectivo. A palavra "República", significa "coisa" (Res) "pública (algo que faz parte do património comum). Este é o lema central do republicano: colocar o interesse comum acima dos interesses colectivos, velando para que a comunidade saia beneficiada e não apenas alguns. Os interesses particulares são legítimos e devem ser respeitados, mas não se podem sobrepor aos interesses da colectividade.
2. Equidade. O ideário republicano, forjado na lutas contra os regimes absolutistas e ditatoriais, assumiu como matriz a exigência do primado da Lei, perante a qual todos são iguais. Ninguém está acima da Lei. A primeira missão do Estado republicano é garantir a imparcialidade e equidade na aplicação da leis da República.  
3. Laicismo. A luta contra a intolerância religiosa conduziu os republicanos a defenderem a separação entre a Igreja e o Estado, proclamando a liberdade religiosa.
4. Legitimidade Democrática. A república, sendo um regime político que a todos pertence, deve assentar na mais ampla participação dos cidadãos na vida comunitária. O exercício do poder tem que ser periodicamente legitimado pelo votos dos cidadãos. Ora,  sendo estes beneficiários do Bem Comum, têm igualmente o dever de contribuir com o seu esforço e inteligência para a prosperidade da comunidade de que fazem parte. Nada pior para um regime republicano do que um sistema político que limite a participação dos cidadãos ou favoreça a perpetuação do poder das mesmas pessoas (recusa de cargos vitalícios). 
5. Projecto Colectivo. Uma comunidade republicana só pode subsistir se os seus membros se sentirem como fazendo parte de uma colectividade que não renega as suas origens, história e símbolos colectivos, mas que também trabalha para que as novas gerações venham a herdar uma comunidade mais próspera em todos os sentidos, dando desta forma continuidade a uma obra de génese colectiva.  
República e Monarquia
A oposição entre monárquicos e republicanos continua  fazer parte integrante do imaginário político de muitos países, como é o caso de Portugal e do Brasil.
Os monárquicos até ao século XVIII assumiam-se na sua maioria como os defensores de um poder político concentrado na figura de uma só pessoa, variando apenas na forma de legitimação. Os republicanos, pelo contrário, depois da independência dos EUA (1776) e da Revolução Francesa (1789) tornaram-se arautos da democracia e da soberania do povo. Ao longo de todo o século XIX, as monarquias foram-se republicanizando, transformando-se em monarquias constitucionais onde o poder do rei foi sendo cada vez mais limitado. Hoje os monarcas, em particular nas democracias ocidentais, são sobretudo objectos simbólicos destinados a uma intensa exploração mediática para a venda e promoção de todo o tipo de produtos. Neste mesmo período, muitas repúblicas também esqueceram os seus princípios republicanos e converteram-se em ditaduras de características monárquicas  
Patriotismo ?
Relação afectiva. 
O conceito de pátria é em primeiro lugar uma relação afectiva que se cria pelo lugar onde se nasceu ou se adoptou. As pessoas, histórias, paisagens, tradições e outros elementos locais passavam a fazer parte do imaginários, preocupações e sentimentos pessoais. Esta relação afectiva faz com que o patriota sinta como seus os problemas da sua comunidade, e se sinta a obrigação interior de dar a sua contribuição para os resolver. 
O patriotismo é, neste sentido, uma manifestação da vocação solidária e política do ser humano, que se revela frequentemente numa partilha de sentimentos (alegrias, tristezas, etc) dos membros de uma dada comunidade.  
Esta forte relação afectiva com a terra à qual se está ligado, para muitos filósofos é que dá significado a grande parte da existência humana. Sócrates recusa-se a sair da sua cidade (Atenas), quando lhe propõem a fuga. Aristóteles define o homem a partir de um topos (lugar), porque não concebe o homem desenraizado. Bakunin (anarquista), embora tenha assinalado a função solidária do patriotismo, não deixou de chamar a atenção para as perversões que podem resultar do patriotismo: a xenofobia (horror ao Outro) e nacionalismo (crença da superior face a outros).
Relação económica. 
O liberalismo, a partir do século XVII, ao valorizar a iniciativa individual, desvalorizou a noção de Pátria, substituindo-a pela noção de mercado.
O marxismo, no século XIX, seguindo um velha tradição materialista, negou o papel da afectividade na política. O que movia os homens eram os seus interesses económicos, a pátria era uma ficção. Liberais e marxistas estavam de acordo um ponto: o capitalista não tem Pátria, tem apenas interesses próprios a defender. O conceito de pátria era uma ilusão que importava destruir, em especial junto dos trabalhadores.
A história das sociedades mostram-nos que o patriotismo não significa a negação da defesa dos próprios interesses económicos. Muitos grandes capitalistas, por exemplo, sem nunca descurarem do seus negócios revelaram uma relação extremamente afectiva com a sua pátria e os seus concidadãos. Uma coisa é certa, os interesses económicos sem ligação à pátria, facilmente se transformam pura rapina, saque de pessoas. O ser humano reduzido à sua dimensão económica torna-se num predador, vendo no Outro não pessoas, mas caça. 
Comunistas e Neoliberais
Nas últimas décadas a situação política em Portugal revelou uma estranha aproximação entre neoliberais e marxistas. Os primeiros lutam pela des-regulação do mercado de forma a facilitar o seu saque. Os segundos, ao secundarizarem também o conceito de pátria, geraram um número muito significativo de iberistas e ideologos do capitalismo selvagem.

Traição à Pátria, o que é ?
Compromisso.
Trair significa quebrar um compromisso. Qualquer país assenta num compromisso entre os seus membros actuais com outros das gerações que os precederam. Um compromisso que é assumido por cada nova geração, no qual se comprometem a preservar e ampliar os bens comuns (materiais, intangíveis, etc) que lhes foram foram legados pelas gerações anteriores.
Um  país como Portugal, é uma formidável obra colectiva construída ao longo de muitos séculos, fruto do sacrifício, vontade, trabalho, criatividade e afecto de milhões de pessoas. Cada português é o herdeiro de um imenso património que nenhum homem por si só seria capaz de criar e manter.  
O processo de socialização, isto é, a integração de um individuo desde que nasce numa dada comunidade, é a forma mais imediata de tornar conscientes aos novos membros dos compromissos que possuem com a comunidade que fazem parte. 
O acesso à cidadania é a plena consciência das implicações éticas e políticas destes compromissos colectivos. Neste sentido, os regimes democráticos são aqueles que se revelam mais ajustados há assunção destes compromissos, porque asseguram a igualdade e liberdade de todos os cidadãos nas deliberações sobre o seu futuro colectivo.
Abandono
O individuo que por uma razão qualquer abandona o seu país, não é nenhum traidor. A mudança de país é um direito que assiste a qualquer cidadão do mundo. Contudo, ao mudar de comunidade muda também de compromisso, passando a assumir de novas responsabilidades pois passa a desfrutar de bens que sucessivas gerações de outros países criaram e lhe são agora proporcionadas.  
Traição
A traição surge quando um membro de um dada comunidade onde nasceu ou foi acolhido, deliberadamente e através de acções conscientes concorre para quebrar os laços de confiança, respeito mútuo e solidariedade que unem os membros de uma comunidade, colocando em perigo o seu futuro colectivo. 
O iberista, por exemplo, é um pode e deve ser considerado um traidor, porque de forma deliberada procura destruir os afectos que unem os portugueses ao seu país (patriotismo), quebrando a ligação entre as gerações e minando a confiança no futuro de Portugal. 
Os políticos iberistas, deve-se-lhes ser atribuída uma dupla responsabilidade. Primeiro porque são cidadãos portugueses e depois porque os seus concidadãos lhes  deram o seu voto de confiança para os conduzirem no seu esforço colectivo de preservação e melhoria do que receberam de gerações anteriores.              
 
 
Carlos Fontes