Como já salientamos, na idade helenista declina o vigor especulativo filosófico até ao ceticismo, e se despedaça, tornando-se empírico nas ciências particulares. Concretiza-se nestas ciências o interesse teorético da época, incentivado também pela descoberta de países novos, fenômenos e fatos novos, graças às expedições de Alexandre, que chega até as Índias. As ciências particulares, por sua vez, vão terminar fatalmente na prática, na técnica, para a satisfação das necessidades imediatas da vida empírica, porquanto é impossível a consistência teórica dessas ciências sem a filosofia. O centro principal dessa cultura científica é Alexandria - como Atenas foi o grande centro da especulação filosófica. Em Alexandria congregavam-se, e daí partiam cientistas de todo o mundo civilizado, atingindo esta cidade seu maior esplendor nos séculos III e II a.C. (Euclides, Arquimedes, Hiparco) e no II século d.C. (Ptolomeu). Em Alexandria havia o famoso
Museu, rico de recursos científicos - bibliotecas, observatórios, gabinetes, jardins botânicos, jardins zoológicos, salas anatômicas, etc. - e que teve uma longa e gloriosa vida desde o III século a.C. até o IV século d.C.
No presente parágrafo examinamos brevemente as principais ciências naturais cultivadas nesta época - matemática, física, astronomia, geografia, ciências naturais, medicina - particularmente em relação com o saber enciclopédico. A contribuição da filosofia clássica; tal contribuição limita-se essencialmente à matemática, ciência no sentido estrito como a filosofia, e a um certo complexo de observações empíricas, que serão valorizadas e sistematizadas na ciência moderna.
Dos dois ramos da matemática floresceu, no mundo antigo, primeiro a geometria - III e II séculos a.C. - e depois a aritmética - séculos II e II d.C. Quanto à física, após um interesse teórico para com esta ciência, prevaleceram interesses práticos, técnicos. Lembre-se a escola mecânica de Alexandria, já famosa no III século a.C., em que foram inventados relógios de água, máquinas hidráulicas, máquinas de guerra acionadas por ar comprimido, etc. A matemática e a física tiveram grandes cultores em Euclides e Arquimedes.
Euclides viveu em Alexandria no III século a.C., onde passou a vida toda entre o ensino, a sistematização das descobertas matemáticas de seus predecessores e as suas pesquisas originais. É o autor dos afamados
Elementos de Geometria, onde se trata com grande clareza e rigor científico de geometria plana, aritmética e estereogrande matemático e físico. Natural de Siracusa, estudou em Alexandria, voltando depois à pátria, aí dedicando-se por toda a vida a estudos e pesquisas de matemática, geometria e mecânica. De suas descobertas aproveitou-se também para a construção de máquinas de guerra, em defesa de Siracusa cercada pelos romanos durante a II guerra púnica. Apesar de ter o cônsul Marcelo ordenado aos soldados poupar a vida ao grande sábio, durante o saque da cidade foi morto por um soldado ignorante, repreendido pelo grande sábio porque perturbava seus estudos. "
Noli turbare circulos meos", teriam sido as suas últimas palavras.
Quanto à
astronomia e à
geografia, floresceu antes e mais viçosamente aquela do que esta. A geografia começou a ser cultivada no seu aspecto astronômico-matemático; só com Estrabão afirmou-se o caráter antrópico da geografia.
Estrabão - 63 a.C. - 30 d.C., mais ou menos - nascido no Ponto, estudou em Alexandria e em Roma. Escreveu uma grande obra de
Geografia, onde descreve sistematicamente, em dezessete livros, as regiões então conhecidas - Europa, Ásia, África - pondo especialmente em foco a influência do clima sobre o temperamento e o caráter humanos e sobre a organização social e política.
A astronomia antiga conheceu a hipótese heliocêntrica, mas aderiu, em geral, ao geocentrismo. A hipótese heliocêntrica é devida a
Aristarco de Samos, pouco posterior a
Aristóteles e de pouco anterior a Arquimedes - III século a.C. O geocentrismo foi elaborado por
Eudóxio de Cnido (408-355 a.C.) discípulo de
Platão, e por Aristóteles no sistema das esferas
homocêntricas; o sistema astronômico era composto de cinqüenta e seis esferas concêntricas. A seguir foi desenvolvido e corrigido por
Apolônio de Perga (260-200 a.C.), que ensinou em Alexandria e em Pérgamo e foi um grande geômetra da Antigüidade juntamente com Euclides e Arquimedes; e também, mediante a teoria dos excêntricos, por
Hiparco de Nicéia do II século a.C., o qual viveu em Alexandria e em Rodes. Esta teoria desloca a terra do centro das órbitas astrais para a circunferência, para poder explicar melhor e mais simplesmente os movimentos celestes. Entretanto, o sistematizador definitivo do geocentrismo é
Ptolomeu, vivido em Alexandria no II século d.C., autor do assim chamado
Almagesto, mediante o qual a astronomia antiga foi transmitida e seguida até à Renascença. Ptolomeu julgou que devia integrar a astronomia com a astrologia, que seria o estudo dos influxos astrais sobre os fenômenos terrestres e, particularmente, sobre as vicissitudes humanas.
As
ciências naturais propriamente ditas, já cultivadas por Aristóteles (zoologia) e Teofrasto (botânica), tiveram incremento na idade helenista. Primeiro, por meio das expedições militares de Alexandre, as quais levaram ao conhecimento da flora e da fauna das regiões novas, depois pelas grandes coleções do Museu de Alexandria, dotada de jardins botânicos e zoológicos, como acima já dissemos. As ciências naturais progrediram entretanto na idade helenista particularmente como ciências auxiliares da
medicina - anatomia e fisiologia - que, por sua vez, nesta época fez grandes progressos.
Ao lado da antiga escola de Hipócrates, a qual explicava o organismo animal mediante a relação dos quatro humores fundamentais e é chamada escola dos
dogmáticos, afirmam-se no século III a.C. em Alexandria outras escolas, firmadas em princípios diferentes. Temos, por exemplo, a escola que tenta explicar os fenômenos da vida pelas quatro forças fundamentais; esta escola fez descobertas importantes sobre a circulação do sangue e sobre o sistema nervoso. Mais importante é a escola médica chamada
empírica que, em oposição à orientação teórica e especulativa das escolas precedentes, afirma o valor da experiência direta, da observação dos sintomas do mal e do efeito dos remédios. Foi, inversamente, eclético com tendências dogmáticas e hipocráticas
Cláudio Galeno (131-210 d.C.), o maior médico da Antigüidade. Natural de Pérgamo, viveu longamente em Roma na qualidade de médico imperial e deixou numerosos escritos, que dominaram a cultura médica européia até além da Idade Média. Tenta ele sintetizar a doutrina hipocrática dos quatro humores com a física aristotélica dos quatro elementos e das quatro qualidades fundamentais da matéria - o calor, o frio, a secura, a umidade. Alicerça a medicina na fisiologia e na anatomia; afirma uma fisiologia teleológica, finalista, para explicar a formação e o funcionamento dos órgãos; reconhece a
vis medicatrix como fator essencial da terapia, não podendo o médico fazer outra coisa senão auxiliar esta força
medicatrix. Tendo Galeno procurado coligar os fatos particulares observados no mundo biológico aos princípios da física e da metafísica, segue-se que foi também um filósofo. A sua filosofia é uma síntese do
platonismo,
estoicismo e, sobretudo,
aristotelismo.
O Pensamento Latino
Características Gerais
Julgamos seja preciso tratar do pensamento romano juntamente com a filosofia grega, porquanto também o pensamento romano depende - em seus motivos teóricos, especulativos, metafísicos - da filosofia grega; e precisamente depende da filosofia grega do terceiro período, de caráter pregmatista e moral, que colimava com o temperamento prático dos romanos. Antes, dos dois quesitos fundamentais da filosofia moral grega - que coisa é o sumo bem, e como se realiza - os romanos se interessaram propriamente apenas pelo segundo.
O gênio romano é oposto ao gênio grego, apesar de ambos os povos se originarem do mesmo tronco indo-europeu. O gênio romano cultua a primazia da prática, da atividade, do
negotium (nos campos, nos quartéis, no foro), considerando o estudo, a especulação, a contemplação - que, segundo os gregos, representavam a mais alta tarefa da vida - como passatempos, lazeres,
otia.
E como as obras primas do gênio grego foram a filosofia e a arte, que sobrevivem imperecíveis ao acontecimento empírico da queda política da
Grécia, base e germe de toda sólida construção especulativa e de toda verdadeira obra artística, em oposição a todos os desvios passados e presentes, assim a obra-prima do gênio romano é o
jus, o direito, a idéia imperial, universal, que sobrevivem imperecíveis ao empírico fim político do império romano - do Ocidente e do Oriente -, norma e fundamento de uma vida civilizada ideal, humana, justa, razoável, de permeio a toda a barbárie antiga e moderna.
Após a conquista romana da Macedônia (168 a.C.), a Grécia tornava-se efetivamente parte do império romano. Começa, portanto, a influência grega sobre o mundo romano. Com meios coativos, políticos, é impedida pelos conservadores - estando à frente Catão, o Antigo - os quais justamente percebiam o perigo da perversão dos costumes na vida romana, acelerada pelo contato com a refinada civilização helenista. Um senatus-consulto, em 161 a.C., vedava a morada em Roma aos filósofos; é, porém, a última vitória dos conservadores; Roma procede fatalmente para o Império. Entre Roma e a Grécia estabelecem-se e desenvolvem-se intensas relações culturais, favorecidas pelo partido iluminado chefiado por Cipião Emiliano, Quíncio Flamínio, Paulo Emílio. Os jovens mais conspícuos das famílias aristocráticas romanas vão à Grécia e à Ásia Menor, Atenas e Rodes, para se aperfeiçoarem nos estudos, começados geralmente na pátria sob direção de educadores gregos. E fazem isto não por interesses científicos, mas porque o helenismo é considerado bom gosto, elegância, moda, elemento indispensável da alta cultura romana.
Aliás, também a filosofia grega dirige-se para Roma. Antes de tudo, a famosa embaixada dos filósofos gregos ao senado romano em 155 a.C., composta de Carnéades, acadêmico, juntamente com Critolaus, peripatético e Diógenes, estóico, a qual segundo Plutarco, despertou grande contrariedade no velho Catão. O
epicurismo teve imediata, rápida e grande influência em Roma, o epicurista foi o primeiro romano que nos deixou um escrito filosófico: Lucrécio Caro, autor de
De rerum natura. É esta uma das maiores obras da literatura latina, e, por conseqüência, testemunho do entusiasmo vivo e sincero com que foi aceito em Roma o epicurismo por um determinado grupo cultural - ainda que a obra lucreciana seja desprovida de importância especulativa.
Ecletismo e Estoicismo
As duas correntes mais importantes do pensamento romano são o ecletismo e o estoicismo. Ambos correspondem à índole prática do gênio romano: o primeiro condiz com o pragmatismo positivo, otimista, da idade republicana; o segundo condiz com o pragmatismo negativo, pessimista, da idade imperial.
O mais destacado expoente da primeira corrente é
Marco Túlio Cícero (106-43 a.C.), jurista e homem político literato e orador famoso. Não é, porém, igualmente ilustre no mundo filosófico. Carece de interesse especulativo, de crítica e de sistema; o sistema filosófico de Cícero é uma forma de pragmatismo eclético, sendo critério de verdade o útil moral. Seu mérito principal está no fato de que ele fez ampla e eficazmente conhecer a Roma o pensamento helênico, traduzindo-o para a língua latina, criando um verdadeiro dicionário filosófico latino. Cícero tem mérito também como historiador da filosofia antiga, de que representa uma fonte essencial, às vezes a única fonte, dada a sua cultura vasta e eclética. Em Atenas e em Rodes, Cícero foi discípulo de Filo, acadêmico, de Possidônio, estóico, e de Fedro epicurista. O seu pensamento é, assim, um ecletismo com tendências acadêmicas e para finalidades morais - conforme a segunda escola estóica grega.
O
estoicismo romano difere do estoicismo grego, porquanto - segundo a índole prática do gênio romano - limita-se quase exclusivamente aos problemas morais, que constituem o caráter essencial do estoicismo, descuidando quase que completamente dos problemas teoréticos, que no estoicismo são resolvidos segundo uma metafísica elementar e contraditória. Daí uma superioridade do estoicismo romano sobre o estoicismo grego; a profunda praxe ascética do estoicismo recebe, aliás, uma confirmação de alto valor, pela sua aceitação por parte de uma mentalidade positiva, realista, prática, qual era a mentalidade romana. Os romanos, portanto, podem considerar-se quase
naturalmente estóicos; pelo menos os romanos da idade imperial, que fazem parte da oposição e se apegam à liberdade espiritual do pensamento, aonde não pode chegar o poder exterior, jurídico, político, tendo renunciado a todo o resto. Não é de admirar, por conseguinte, - deixando na sombra as questões teoréticas - terem os estóicos romanos exercido uma função prática, moral, quase religiosa. Procurar-se-á um filósofo, como os cristãos procurarão um padre; toda grande casa terá um filósofo, como mais tarde terá o seu capelão. Sêneca e Epicteto pertencem a esta classe de diretores espirituais.
Entre os numerosos estóicos da idade imperial, apenas Sêneca, Musônio Rufo, Epicteto e Marco Aurélio - pertencentes ao primeiro e segundo século d.C. -, têm uma personalidade própria. E, entre estes, Sêneca é o maior como pensador, moralista e escritor epigramático.
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O Direito Romano
A obra universal e imperecível, que no Oriente foi a religião, na Grécia a filosofia, em Roma foi o
direito, segundo a índole prática do gênio romano. O direito romano não é uma filosofia do direito, mas uma sistematização jurídica; não é uma construção teórica, mas a codificação de uma longa e vasta prática. Tal sistematização jurídica, todavia, implica numa concepção filosófica, numa filosofia do direito, num direito natural, que o pensamento grego pode deduzir da sistematização jurídica romana. O pensamento grego serviu à codificação do direito romano próprio e verdadeiro, se bem que os grandes jurisconsultos romanos teriam chegado sozinhos a esta codificação, do mesmo modo que Roma sozinha construiu o seu império.
Certamente, para chegar à construção de um direito universal, natural, racional, humano, Roma teve que superar a própria nacionalidade. Instaurado o Império, Roma não desnatura o seu gênio político original, mas realiza-o, desenvolve-o, valoriza-o, pois Roma era naturalmente feita para se tornar a
capital do mundo,
caput mundi. E, paralelamente, o direito romano no
corpus juris justiniano é o lógico desenvolvimento do original germe jurídico, que, surgindo na família, expande-se através da cidade e do estado, e culmina no Império. Do direito civil chega até ao direito das gentes, antes, até aquele direito natural, a que chega a filosofia pelos caminhos da razão.
A Educação Romana
O espírito prático romano manifesta-se também na educação, que se inspirou, entre os romanos, nos ideais práticos e sociais. Na história da educação romana podem-se distinguir três fases principais:
pré-helenista,
helenista-republicana,
helenista-imperial. A primeira e fundamental instituição romana de educação é a família de tipo patriarcal, germe de uma sociedade mais vasta, que vai da cidade ao império: os
patres governam a coisa pública. Educador é o pai, que na sociedade familiar romana desempenha também as funções de senhor e de sacerdote -
paterfamilias. Nesta obra educativa colaborava também a mãe, especialmente nos primeiros anos e no concernente aos primeiros cuidados dos filhos, sendo, em Roma, mais considerada a mulher do que na Grécia, dadas as suas predominantes qualidades práticas. O fim da educação é prático-social: a formação do agricultor, do cidadão, do guerreiro -
salus reipublicae suprema lex esto. Essencialmente práticos e sociais são os meios: o exemplo, o treinamento ministrado pelo pai que faz o filho participar na sua atividade agrícola, econômica, militar e civil, a tradição doméstica e política -
mos maiorum; e a religião -
pietas - entendida como prática litúrgica, sendo a religião, em Roma, diversamente do que era na Grécia, sumamente pobre de arte e de pensamento. E tudo isso sob uma disciplina severa. Enfim, prático-social era o próprio conteúdo teorético da educação, a instrução propriamente dita, que se reduzia a uma aprendizagem mnemônica de prescrições jurídicas, concisas e conceituosas -
as leis das doze tábuas - que regulavam os direitos e os deveres recíprocos naquela elementar mas forte sociedade agrícola-político-militar.
A educação romana sofreu necessariamente uma profunda modificação, quando o antigo estado-cidade, desenvolvendo-se e expandindo-se para a nova forma do estado imperial - entre o terceiro e o segundo século a.C. - veio em contato com a nova civilização helênica, cuja irresistível fascinação também Roma sofreu. Sentiu-se então a exigência de um novo sistema educativo, em que a instrução, especialmente literária, tivesse o seu lugar. Esta instrução literária partiu precisamente da cultura helênica. Primeiro são traduzidas para o latim as obras literárias e poéticas gregas - por exemplo, a
Odisséia -, depois estudam-se os autores gregos no texto original, enfim se forma pouco a pouco uma literatura nacional romana sobre o modelo formal da grega. E, deste modo, a princípio é a literatura grega que se difunde em Roma, depois, mediante a literatura, é o pensamento grego que penetra e se difunde, e afinal, através do pensamento, entra e se espalha a concepção grega da vida - porquanto estava pelo menos nas possibilidades do caráter latino.
Evidentemente, a família não estava mais à altura de ministrar esta nova e mais elevada instrução. As famílias das mais altas classes sociais hospedam em casa um mestre, geralmente grego -
pedagogus ou
litteratus. E, para atender às exigências culturais e pedagógicas das famílias menos abastadas, vão-se, aos poucos, constituindo escolas -
ludi - de instituição privada sem ingerência alguma do estado. Essas escolas são de dois graus: elementares - a escola do
litterator onde se aprendia a ler, escrever e calcular; médias - a escola do grammaticus - onde se ensinava a língua latina e a grega, se estudavam os autores das duas literaturas, através das quais se aprendia a cultura helênica em geral. Um terceiro grau será, enfim, constituído mediante as escolas de
retórica, uma espécie de institutos universitários, que surgem com uma diferenciação e uma especialização superior da escola de gramática.
A sua finalidade era formar o orador, porquanto a carreira política representava, para o espírito prático romano, o ideal supremo. E, portanto, o ensino da eloqüência abrangia toda a cultura, do direito até à filosofia. O orador romano será o tipo do homem de ação, do político culto, em que a cultura é instrumento de ação -
negotium e, logo, para os romanos, coisa muito séria, em relação com a seriedade da ação, e não simples distração -
otium. Na reação dos conservadores contra a helenização da vida romana, os censores publicavam um decreto que condenava a escola latina de retórica (92 a.C.), por ser "novidade contrária aos costumes e aos preceitos dos maiores", e é definida até como
ludus impudentiae. Acabam, todavia, por triunfar os inovadores, e a cultura helênica e os mestres gregos afluem a Roma sempre mais numerosos e bem acolhidos, enquanto a
elite dos jovens romanos vai se aperfeiçoar nos centros de cultura helenista, especialmente em Atenas.
Juntamente com a organização do império organizam-se também as escolas romanas. Por certo, vindo a faltar a liberdade, vem a faltar o interesse político da cultura; as escolas de retórica perdem a função prática e social, transformando-se em meios de ornamento intelectual entre os lazeres de uma aristocracia cultural, o que, absolutamente falando, representa uma purificação da cultura no sentido especulativo, dianoético, grego; mas, relativamente ao espírito prático-social romano, significa uma decadência para o diletantismo. Seja como for, o estado romano mostra agora apreciar a cultura. Começam os imperadores romanos por conceder imunidade e retribuições aos mestres de retórica ainda docentes em casas particulares; depois o estado passa a favorecer e promover a instituição de escolas municipais de gramática e de retórica nas províncias; enfim são fundadas cátedras imperiais, especialmente de direito, nos grandes institutos universitários.
Um dos principais motivos de interesse imperial pela cultura e a sua difusão foi o fato de se ver nela um eficaz instrumento de romanização dos povos, um instrumento de penetração e de expansão da língua e dos jus romano, um meio, em suma, para o engrandecimento do império. E o resultado foi fecundo também para a cultura como tal, porquanto foi ela levada, embora modestamente, aqueles povos - Espanha, Gália, Grã-Bretanha, Germânia, províncias danubianas, África setentrional - a que o helenismo não pudera chegar. Tais escolas municipais foram tão vitais nas províncias, que muitas sobreviveram à queda do império romano ocidental, transformando-se em escolas eclesiásticas graças ao monaquismo cristão, e conservaram acesa na noite barbárica a chama da cultura clássica, preparadora dos esplêndidos renascimentos posteriores.
O teórico da pedagogia romana pode ser considerado Quintiliano. Nasceu na Espanha no II século d.C., foi professor de retórica em Roma, o primeiro docente pago pelo estado, quando Vespasiano era imperador. Na
Instituição Oratória, em doze livros, expõe o processo de formação do orador - cuja figura ideal já delineara Cícero no
De Oratore. Faz Quintiliano uma exposição completa, propondo programas e métodos que foram em grande parte adotados sucessivamente nas escolas do império. A instituição escolástica compreende os dois graus tradicionais de gramática e retórica. No curso de gramática ensinam-se a língua latina e a língua grega, a interpretação dos poetas - Vergílio e Homero - e as noções necessárias para este fim. No curso de
retórica ensinam-se a interpretação dos historiadores -
Lívio - e dos oradores - Cícero -, o direito e a filosofia, enquanto fornecem o conteúdo essencial à arte oratória. Um lugar de destaque ocupam as normas e as exercitações de eloqüência, o fim supremo da educação romana, segundo o espírito prático-político romana.
Período Religioso
Características Gerais
O quarto e último período do pensamento grego denomina-se
religioso, porque o espírito humano procura a solução integral do problema da vida na religião ou nas religiões. O problema da vida é agudamente sentido, pelo fato de ser profundamente sentido o problema do mal. Deste problema não se acha, racionalmente, uma explicação plena, e, por conseguinte, se recorre à concepção de uma queda arcana, original, do espírito, de um conseqüente encarceramento do espírito no corpo, e de uma purificação e libertação ascética e mística. A desconfiança do conhecimento racional impede à evasão para um conhecimento supra-racional, imediato, intuitivo, místico, da realidade absoluta, para a revelação, o êxtase. Assim, o pensamento grego, que partiu de uma religião - positiva -, e a demoliu paulatina e criticamente nos grandes sistemas clássicos, volta, no seu término, para a religião. Já não se trata, porém, da velha religião grega, olímpica, homérica, absolutamente incapaz, devido aos seus limites naturalistas, humanistas, políticos, de resolver os grandes problemas transcendentes - do mal, da dor, da morte, do pecado - que nem sequer se propõe. Trata-se, ao contrário, das religiões orientais, semitas, místicas, misteriosóficas, especialmente propensas a estes problemas e fecundas em soluções do mais vivo interesse.
No período religioso permanecem os problemas do período ético, mas singularmente acentuados; procura-se-lhes a solução mediante uma metafísica completada pela religião. Tentar-se-á a síntese filosófica do dualismo
platônico, do racionalismo
aristotélico, do monismo estóico, e mais precisamente do transcendente divino platônico, do l
ogos racional aristotélico, da alma estóica do mundo, em uma forma de triteísmo, em uma característica espécie de trindade divina. Nesta síntese metafísica prevalece o platonismo, com a sua radical separação entre o mundo sensível e inteligível, com a sua extrema transcendência da divindade, com a sua doutrina de uma queda original, com a sua religiosidade e o seu misticismo. Mas na metafísica neoplatônica - obra-prima deste período religioso - tal transcendência, característica do clássico dualismo grego, terminará no monismo emanatista.
O último período do pensamento grego abrange os primeiros cinco séculos da era vulgar: substancialmente, a idade do império romano, de que a filosofia religiosa neoplatônica forma como que a estruturação ideal; e também a idade da patrística cristã, com que o neoplatonismo tem contatos, intercâmbio e polêmicas. O centro deste movimento filosófico é Alexandria do Egito, capital comercial, cultural, religiosa do mundo cosmopolita helenista-romano, encruzilhada entre o Ocidente e o Oriente, sede do famoso Museu.
O sistema metafísico predominante no período religioso é o
neoplatonismo, e o seu maior expoente é
Plotino (III século d.C.), cuja vida e pensamento nos foram transmitidos pelo discípulo Porfírio. O neoplatonismo, todavia, tem rumos precursores nos primeiros séculos da era vulgar:
I - oriental, em
Filo de Alexandria, que tenta a síntese do pensamento grego com a revelação hebraica, interpretada à luz do pensamento grego, mas a este supra-ordenada;
II - ocidental, no
novo pitagorismo, cujo maior representante é Apolônio de Tiana, e no
platonismo religioso, cujo maior expoente é Plutarco de Queronéia. E também teve o neoplatonismo desenvolvimento nos últimos séculos do império romano:
1°. - na assim chamada
escola siríaca, cuja mais notável expressão é Jâmblico, e exerceu também certa influência política com o imperador Juliano Apóstata;
2°. - na chamada
escola ateniense, cuja mais notável expressão é Proclo, que sistematizou definitivamente e transmitiu aos pósteros o pensamento neoplatônico. Com a escola ateniense acaba, também historicamente, o pensamento grego, pelo encerramento dessa escola ordenado por Justiniano imperador (529 d.C.). Entretanto, o pensamento grego - o pensamento platônico, pelo menos - já tinha sido assimilado pelo pensamento cristão patrístico, e a sua parte vital tinha sido transfundida e valorizada no cristianismo.
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